Espoliação e acumulação por desapossamento na Amazônia:

o caso do Polígono dos Castanhais

Autores

DOI:

https://doi.org/10.69585/2595-6892.2025.1239

Palavras-chave:

acumulação por desapossamento, espoliação fundiária , Polígono dos Castanhais, Amazônia, privatização da terra

Resumo

O artigo analisa o processo histórico de apropriação privada e mercantilização
de terras públicas na região de Carajás, com foco no Polígono
dos Castanhais, área de cerca de um milhão de hectares. Adota como
referencial teórico o conceito de acumulação por desapossamento, formulado
por Harvey. A pesquisa, baseada em análise documental de leis,
decretos e regulamentos, demonstra que, desde o século XIX, a economia
regional centrada no extrativismo da castanha-do-pará foi transformada
por mecanismos jurídicos, como aforamentos e arrendamentos,
que possibilitaram a transferência do domínio útil da terra a elites locais.
A partir da segunda metade do século XX, com a intensificação das
políticas de integração da Amazônia, o processo de privatização das terras
se acelerou por meio de novos dispositivos legais, incentivos fiscais e
programas de colonização, favorecendo empreendimentos agropecuários
e a especulação fundiária, o que resultou em desmatamento e mudanças
no uso do solo. As conclusões indicam que o caso do Polígono dos
Castanhais exemplifica um processo contínuo de acumulação por desapossamento,
no qual o Estado atuou como agente central, redefinindo
direitos de propriedade e beneficiando uma restrita oligarquia agrária.
O estudo demonstra que esses mecanismos não são resquícios de um
passado pré-capitalista, mas estratégias contemporâneas e estruturais da
expansão capitalista na Amazônia.

Biografia do Autor

Amarildo José Mazutti (in memoriam), Tribunal de Justiça do Estado do Pará

Doutor em Ciências Jurídico-Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino (UMSA). Juiz de Direito do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.

Regiane Paracampos da Silva, Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (Lacam) da Unifesspa

Pesquisadora do Laboratório de Contas Regionais da Amazônia (Lacam) da Unifesspa. Especialista em Desenvolvimento de Áreas Amazônicas pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA) e geógrafa pela Universidade Federal do Pará (UFPA).

Referências

ALMEIDA, J. J. Os primórdios da exploração da castanha-do-pará na Amazônia (séculos XVIII-XX).

In: Conferência Internacional de História Econômica; Encontro de Pós-graduação em História

Econômica, 6, 8, 2016, São Paulo. Anais [...]. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2016. p. 1-32.

AMIN, S. Imperialism and unequal development. New York: Monthly Review Press, 1977.

ARNAUD, E. Mudanças entre grupos indígenas Tupí da região do Tocantins-Xingu Bacia Amazônica.

Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, v. 84, p. 1-50, 1983.

BARBOSA, E. J. S.; VIDAL, M. R.; MASCARENHAS, A. L. S.; SILVA, L. N. F. Componentes naturais da

paisagem na região de Carajás. In: MONTEIRO, M. A. (Ed.). Amazônia: a região de Carajás. Belém:

Naea, 2023. p. 677-706.

BARROS, M. V. M. A zona castanheira do médio Tocantins e vale do Itacaiunas: reorganização do espaço

sob os efeitos das políticas públicas para a Amazônia. Monografia de Graduação em Geografia. UFPA,

Marabá, 1992

BODIN, P. M. A condução da política monetária durante o Plano Cruzado. Brazilian Journal of Political

Economy, v. 10, n. 2, p. 33-52, 1990.

BRASIL. Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850. Dispõe sobre as terras devolutas do Império. 1850.

CAVALCANTI, M. B. Da SPVEA à Sudam (1964-1967). Belém: Sudam, 1967.

COSTA, F. A. Ecologismo e questão agrária na Amazônia. 2. ed. Belém: Naea, 2013.

COSTA, V. M. Enfiteuse – Aforamento ou Emprazamento. São Paulo: Instituto de Registro Imobiliário

do Brasil – Irib, 2012.

COUDREAU, H. A. Voyage au Tocantins-Araguaya: 31 décembre 1896-23 mai 1897. Paris: A. Lahure,

Imprimeur-Editeur, 1897.

CPT – COMISSÃO PASTORAL DA TERRA. Conflitos no campo Brasil/87. Goiânia: CPT, 1988.

DIAS, C. V. Marabá: centro comercial da castanha. Revista Brasileira de Geografia, v. 20, n. 4, p. 383-427,

EMBRAPA. Sistema Interativo de Análise Geoespacial da Amazônia Legal – Siageo Amazônia: mapas de

solos e de aptidão agrícola das áreas alteradas do Pará. Belém: Embrapa Amazônia Oriental, 2016.

EMMI, M. F. A oligarquia do Tocantins e o domínio dos castanhais. Belém: Naea, 1988.

EMMI, M. F. A questão dos castanhais e a indústria extrativa até a década de 1960. Papers do Naea,

n. 166, 2002.

EMMI, M. F.; MARIN, R. E. A. Crise e rearticulação das oligarquias no Pará. Revista do Instituto de

Estudos Brasileiros, n. 40, p. 51-68, 1996.

EMMI, M. F.; MARIN, R. E. A.; BENTES, R. S. O Polígono Castanheiro do Tocantins: espaço contestado

de oligarquias decadentes. Pará Agrário, v. 2, n. 2, p. 12-21, 1987.

GETAT – GRUPO EXECUTIVO DAS TERRAS DO ARAGUAIA-TOCANTINS. Planta de medição

e demarcação executadas dentro do Polígono dos Castanhais. Marabá: Grupo Executivo das Terras do

Araguaia-Tocantins, 1985.

GLASSMAN, J. Primitive accumulation, accumulation by dispossession, accumulation by “extraeconomic”

means. Progress in Human Geography, v. 30, n. 5, p. 608-625, 2006.

HALL, D. Primitive accumulation, accumulation by dispossession and the global land grab. Third World

Quarterly, v. 34, n. 9, p. 1582-1604, 2013.

HARVEY, D. The “New” imperialism: accumulation by dispossession. Socialist Register, v. 40, p. 63-87,

HARVEY, D. The geography of capitalist accumulation: a reconstruction of the Marxian theory.

Antipode, v. 7, n. 2, p. 9-21, 1975.

HARVEY, D. The geopolitics of capitalism. In: GREGORY, D.; URRY, J. (Eds.). Social relations and spatial

structure. Londres: Macmillan, 1985, p. 128-163.

HARVEY, D. The Limits to Capital. Oxford: Blackwell, 1982.

INCRA. Acervo Fundiário do Incra. Brasília: Instituto de Colonização e Reforma Agrária, 2023.

JORNAL MARABÁ. Terminou a Batalha da Borracha e começou a Campanha da Castanha. Marabá,

out. 1945, p. 2.

KRAUS, M. “More news will follow” – Wilhelm Kissenberth’s ethnographic photographs from

Northeast and Central Brazil. In: FISCHER, M.; KRAUS, M. (Eds.). Exploring the Archive. Historical

Photography from Latin America. The Collection of the Ethnologisches Museum Berlim. Köln / Weimar /

Wien: Böhlau Verlag, 2015, p. 245-280.

LAGANEST, H. D. B. Marabá: cidade do diamante e da castanha; estudo sociológico. São Paulo: Anhambi,

LEVIS, C. et al. Persistent effects of pre-Columbian plant domestication on Amazonian forest

composition. Science, v. 355, p. 925-931, 2017.

LIMA, R. C. Pequena história territorial do Brasil: sesmarias e terras devolutas. 4. ed. Brasília: Esaf, 1988.

LINHARES, M. Y.; SILVA, F. C. T.; SANTOS, L. F. U.; BARBOSA, P. P. C. Terra prometida: uma história da

questão agrária no Brasil. Rio de Janeiro: Campus, 1999.

MARTINS, J. S. A militarização da questão agrária no Brasil. Petrópolis: Vozes, 1984.

MICHELOTTI, F. Territórios de produção agromineral: relações de poder e novos impasses na luta pela

terra no sudeste paraense. Tese de Doutorado em Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional. UFRJ,

Rio de Janeiro, 2019.

MONTEIRO, J. B. O Castanheiro. Marabá: Edição do autor, 2001.

MONTEIRO, M. A. Carajás: crescimento do produto social, da pobreza e da degradação ambiental

na Amazônia. Confins, n. 61, 2023

MONTEIRO, M. A.; SILVA, R. P. Expansão geográfica, fronteira e regionalização: a região de Carajás.

Confins, n. 49, 2021

MONTOYA, E. et al. Human contribution to Amazonian plant diversity: Legacy of pre-Columbian

land use in modern plant communities. In: RULL, V.; CARNAVAL, A. (Eds.). Neotropical Diversification:

patterns and processes. Cham: Springer, 2020, p. 495-520.

MOURA, I. B. de. De Belém a São João do Araguaia: Vale do Rio Tocantins. Rio de Janeiro: Livraria

Garnier, 1910.

NIMUENDAJÚ, C. Mapa etno-histórico de Curt Nimuendajú. Rio de Janeiro: Fundação Nacional Pró-

Memória; IBGE, 1981.

OLIVEIRA, N. A. P.; FERREIRA, L. R. Determinantes do preço da terra no Brasil. Revista de Política

Agrícola, v. 23, n. 4, p. 58-75, 2015.

POULANTZAS, N. State, Power, Socialism. Londres: New Left Books, 1978.

PROJETO MAPBIOMAS. Coleção 7 da Série Anual de Mapas de Cobertura e Uso da Terra do Brasil.

REYDON, B. P.; FERNANDES, V. B.; TELLES, T. S. Land governance as a precondition for decreasing

deforestation in the Brazilian Amazon. Land Use Policy, v. 94, p. 104-313, 2020.

SECRETO, M. V. A ocupação dos “espaços vazios” no governo Vargas: do “Discurso do rio Amazonas”

à saga dos soldados da borracha. Revista Estudos Históricos, v. 2, n. 40, p. 115-135, 2007.

SHEPARD, G. H.; RAMIREZ, H. “Made in Brazil”: human dispersal of the Brazil nut (Bertholletia

excelsa, Lecythidaceae) in ancient Amazonia. Economic Botany, v. 65, p. 44-65, 2011.

SILVA, J. G. Caindo por terra: crises da reforma agrária na Nova República. São Paulo: Busca Vida, 1987.

SILVA, L. M. O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da lei de 1850. Campinas: Ed. Unicamp, 1996.

SILVA, R. P.; MONTEIRO, M. A. Polígono dos Castanhais na Amazônia oriental brasileira: denominação,

foreiros e referências geográficas. Figshare, 2023

TRECCANI, G. D. Violência e grilagem: instrumentos de aquisição da propriedade da terra no Pará.

Belém: UFPA/Iterpa, 2001.

VEIGA, J. E. A reforma que virou suco: uma introdução ao dilema agrário do Brasil. Petrópolis: Vozes, 1990.

VELHO, O. G. Frentes de expansão e estrutura agrária: estudo do processo de penetração numa área da

Transamazônica. Rio de Janeiro: Centro Edelstein de Pesquisas Sociais, 2009.

WEINSTEIN, B. A borracha na Amazônia: expansão e decadência (1850-1920). São Paulo: Hucitec/

Edusp, 1993.

WOLPE, H. The articulation of modes of production: essays from Economy and Society. London:

Routledge and Kegan Paul, 1980.

Downloads

Publicado

05.09.2025