A crítica de René Zavaleta à teoria da dependência:
afinidades e diferenças com a TMD e com Cardoso e Faletto
Palavras-chave:
René Zavaleta Mercado, Teoria da dependência, Teoria do sistema-mundo, Fernando Henrique Cardoso, Estado na América LatinaResumo
A obra de René Zavaleta Mercado vem ganhando maior projeção internacional nos últimos anos, como referência para o debate teórico sobre o Estado na América Latina. Em paralelo, observa-se o crescimento do campo de estudos organizado em torno à “teoria marxista da dependência” (TMD). Diante dessa dupla retomada, o artigo analisa a crítica de Zavaleta à teoria da dependência, que em sua leitura incorreria em determinismo econômico e exógeno, pois explicaria as formações sociais dependentes como meros reflexos de sua localização estrutural no mercado mundial. Conclui-se que Zavaleta realizou uma crítica caricatural da teoria da dependência, desprovida de originalidade e de consistência: não identificou as diferenças entre as vertentes da “Escola da dependência”, nem entre elas e a teoria do sistema-mundo (também criticada
por ele), ignorou os trabalhos de Ruy Mauro Marini e Vânia Bambirra, e repetiu, de modo superficial, alguns dos pontos da polêmica com a “TMD” realizada anos antes por outros autores, a exemplo de Fernando Henrique Cardoso. Por fim, a partir das afinidades entre as críticas de Zavaleta e de Cardoso à “TMD”, o artigo explora, de modo inicial, as aproximações e divergências entre suas abordagens de análise das formações sociais e Estados dependentes. Lança-se a hipótese de que, embora ambos interrogassem pelas condições de possibilidade da democracia na América Latina, a diferença fundamental entre eles era que a teoria e as investigações de Zavaleta orientavam-se pela aposta estratégica na ação e autodeterminação das classes populares. Essa aposta inexistia na produção de Cardoso, segundo Santaella Gonçalves (2018).
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