Crise do capital, Estado e neofascismo

Bolsonaro, saúde pública e atenção primária

Autores

Palavras-chave:

neofascismo; Estado; crise; financiamento em saúde; Atenção Primária à Saúde

Resumo

O objetivo deste artigo é realizar uma análise crítica das medidas do governo Bolsonaro à saúde pública especialmente no que se refere à criação do novo modelo de alocação de recursos federais à Atenção Primária à Saúde (APS) do Sistema Único de Saúde (SUS). A análise evidencia a relação entre estas medidas, a crise contemporânea do capital e a natureza do Estado brasileiro cuja escalada do fechamento do regime político (de legitimidade restrita) tem tido como apoio a ascensão do neofascismo, tanto como organização das massas como característica inerente destas medidas de cunho ultraliberal. O artigo está disposto em duas partes. A primeira aborda a relação entre crise, Estado, regime político restrito e neofascismo no capitalismo dependente brasileiro e, a segunda parte discute o enfrentamento que a saúde pública vem sofrendo pelo governo Bolsonaro, por meio da rejeição do princípio constitucional do SUS universal, a partir do modelo implantado de financiamento da atenção primária à saúde.

Biografia do Autor

Aquilas Mendes, FSP-USP e PUC-SP

Professor Associado da Faculdade de Sa´úde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP) e do Programa de Pós-Graduação em Economia Política da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). E-mail: aquilasmendes@gmail.com.

Leonardo Carnut, UNIFESP

Professor Adjunto do Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde (CEDESS) da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Professor permanente do Programa de Pós-graduação em Ensino de Ciências da Saúde (UNIFESP) e colaborador do Programa de Formação Interdisciplinar em Saúde (USP). E-mail: leonardo.carnut@unifesp.br.

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Publicado

27.12.2020